O Brasil importa-se com os refugiados e, na medida de sua capacidade, acolhe-se comprometendo-se a lhes dar assistência compatível àquela dispensada aos nacionais. Numa época em que as fronteiras se fecham num pavor xenófobo nunca visto, em que sangrantas guerras destroçam cruelmente etnias quase inteiras e os ódios raciais e religiosos se acirram para levar cada vez mais a mortes e destruição, o gesto de boa vontade brasileiro resplandece como estrela de primeira grandeza.
O governo brasileiro estima em cerca de 50 mil o número de imigrantes ilegais no País. Muitos servem de mão-de-obra semi-escrava para pequenas fábricas de costura em São Paulo ou em fazendas Brasil afora. Já o número de refugiados no País chega a 3.500, de acordo com dados de 2006, e vem aumentando – em relação a 2005, o crescimento foi de 14%, o maior desde 2002. Outros cerca de 15 mil devem ser somados às estatísticas assim que o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) terminar o levantamento de quantos colombianos cruzaram a fronteira com o Brasil para fugir da guerra civil.
Enquanto aguardam a aprovação do seu status, esses imigrantes são encaminhados para uma organização não-governamental e não presos, deportados ou repatriados. Desde a década de 1960, aliás, o Brasil tem sido pioneiro ao aprovar avançadas leis de proteção a refugiados, segundo a ONU.
São de todas as raças, de todas as religiões e podemos encontrá-los em todas as regiões do mundo. Obrigados a fugir porque receiam pela sua vida e pela sua liberdade, os refugiados abandonam muitas vezes tudo o que têm - casa, bens, família - e o país… rumo a um futuro incerto em terra estrangeira.
São Paulo (Brasil), 21 de setembro de 2007 – "Estou muito feliz. Tenho documentos. Agora, sou brasileiro e quero viver neste país para sempre", desabafa com emoção o refugiado palestino Ibrahim Said Abu-Zahra, ao pisar os pés no saguão de desembarque do aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo.
Após quase dois dias de viagem, Ibrahim e outros 34 refugiados que estavam no campo de Ruweished, na Jordânia, chegaram ao Brasil para serem reassentados com suas famílias. Nas próximas semanas, outros 70 refugiados de origem palestina deixarão uma terra-de-ninguém arenosa e infestada de escorpiões em direção ao Brasil para reconstruir suas vidas.
Nas áreas restritas do aeroporto, uma mistura de cansaço, curiosidade e esperança. A agitação entre homens, mulheres e crianças é visível. Todos enfrentam os procedimentos de vacinação. Alguns tentam fazer funcionar o celular que trouxeram da Jordânia. Outros chegam com bandeiras do Brasil aplicadas às roupas e arriscam algumas palavras em português. As crianças brincam com os carrinhos de bagagem.
Vivendo em Ruweished desde 2003, os refugiados serão reassentados nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, onde o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugaidos) desenvolve um pioneiro programa de Reassentamento Solidário em parceria com o governo federal e a sociedade civil organizada.
Todos estão cansados, mas também ansiosos para cruzar o portão de saída e tomar contato com uma nova realidade. "Não vamos enfrentar dificuldades. Tenho certeza. Sinto como se fôssemos uma simples família: palestinos e brasileiros", afirma com ânimo Tala Mostafa Jabara, 71 anos. Para alguns, é um momento quase insuportável. O pequeno Ahmad Teisir Ibhrahim chora ao saber que seus amigos do campo não irão com ele e sua família para o Rio Grande do Sul. Consolado pelos pais, volta ao sorrir quando recebe de presente uma bola de futebol verde e amarela.
Estes palestinos são os primeiros refugiados de fora da América Latina a participarem do Programa de Reassentamento Solidário, que beneficia homens, mulheres e crianças que não podem voltar ao seu país de origem por temor de perseguição e nem permanecer no país de refugío onde se encontram. A Argentina e o Chile também adotam o programa, que se iniciará em breve no Paraguai e no Uruguai.
Antes da resposta positiva do Brasil para essa causa humanitária, apenas o Canadá e a Nova Zelândia haviam concordado em ajudar esses refugiados que viviam no Iraque e foram obrigados a deixar o país após a queda do regime de Saddam Hussein. Vítimas da violência sectária, se refugiaram nas fronteiras dos países vizinhos à espera de uma solução. Seguindo o exemplo do Brasil, o governo chileno anunciou que também reassentará outro grupo de refugiados palestinos que se encontram naquela região.
O ACNUR estima que mais de 1.750 palestinos vindos do Iraque estão refugiados na fronteira com a Síria. Além disso, cerca de 13.000 palestinos continuam sendo alvos da violência em Bagdá. Pelos menos 800 já foram mortos desde 2003. De volta ao Brasil, parte do grupo que acaba de chegar é recebido na mesquita local da cidade onde viverão. Um café da manhã tropical, com sucos, frutas, pães, bolos e geléias, os aguarda. O jejum do Ramadã não impede que todos se sirvam com entusiasmo.
"Quero concluir meus estudos, frequentar uma universidade e me graduar como jornalista", revela Marian Khaled Qodsieh, 14 anos, ladeada por seus pais. "Já enfrentamos muito sofrimento. Cada dia naquele campo correspondia a um ano da minha vida. O Brasil demonstrou seu interesse em nos ajudar, e somos muito gratos", afirma o costureiro Ahmad Mahmoud, 30 anos, que veio com sua família e sua mulher, grávida. "Agora, queremos aprender português e encontrar um trabalho prosseguir com nossos planos. Estamos todos muito felizes", conclui.
Os refugiados morarão em casa alugadas e mobiliadas, receberão uma ajuda financeira por um período de até 24 meses e frequentarão aulas de português. As crianças terão a oportunidade de frequentar as escolas regularmente a partir de próximo ano. Paralelamente, os currículos profissionais dos adultos estão sendo analisados.
Os palestinos são o maior grupo de refugiados recebido de uma só vez pelo programa brasileiro de reassentamento. Trata-se de um grupo heterogêneo, constituído de pessoas de origem urbana que viviam em Bagdá e proximidades, das quais 75% são adultos, na maioria homens; 10% são idosos; 3% são crianças em idade pré-escolar; e 12% são adolescentes. Entre os adultos, 27 são homens sozinhos.
O Brasil tem aproximadamente 3.500 refugiados (25% são mulheres), sendo a maioria de origem africana (quase 80%). Por causa do conflito armado na vizinha Colômbia, as solicitações de refúgio por parte de cidadãos colombianos estão crescendo.
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