quinta-feira, 6 de março de 2008

VANTAGENS DA DUPLA CIDADANIA



Veja como a dupla cidadania pode facilitar sua vida


Benefícios incluem até comodidades com universidades estrangeiras


Por: Marcel Frota

Pense na possibilidade de pagar muito mais barato pelo curso dos seus sonhos no exterior. Imagine não ter de se sujeitar a um sub emprego durante a temporada no estrangeiro e poder até concorrer a um concurso público por lá. Agora adicione a tudo isso, facilidades de entrada em diversos países do primeiro mundo, sem demoras nos setores de imigração e nem desconfianças ou riscos de ter negado o ingresso a esses países na última hora. Já pensou em poder votar para presidente em outro país? Difícil imaginar isso somente com um passaporte brasileiro. Politicamente correto ou não, o fato é que cidadãos de países subdesenvolvidos sofrem sim discriminação no trânsito entre fronteiras e em vários outros aspectos nas nações desenvolvidas. Essa situação é confirmada por quem já passou por uma situação dessas e por quem orienta viajantes frequentemente. A coisa se agravou ainda mais quando o cenário internacional inclui duas das principais potências militares do planeta, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, envolvidos em guerras.


Mas as facilidades descritas acima não são utopias para quem conseguiu o privilégio de conquistar a chamada dupla cidadania. A Constituição brasileira permite a obtenção de outras cidadanias sem que isso implique na perda da nacionalidade brasileira. A Carta estabelece que um brasileiro só perde sua cidadania se assim desejar e manifestar formalmente este desejo por meio de um processo burocrático. De qualquer forma, esse processo pode ser revertido. De olho na oportunidade de poder ser cidadão de um país desenvolvido, Guilherme Svizzero, 27 anos, decidiu largar a vida no Brasil em busca de seu passaporte italiano. Depois de se formar em Direito na Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), Svizzero trocou a capital catarinense pela cidade de Milão, no norte da Itália, onde mora há cinco meses.

A mudança é parte do esforço para agilizar o processo de obtenção da dupla cidadania, já que se permanecesse no Brasil teria de esperar muito mais tempo com chance muito menor de sucesso. A decisão de sair do Brasil foi catapultada em função do sucesso que a prima dele teve no mesmo processo. Com a papelada relativamente adiantada, ele decidiu seguir os passos da prima. Além dos interesses profissionais, Svizzero tem uma motivação a mais na busca da dupla nacionalidade, o amor pela namorada. Em 2004, ele embarcou num cruzeiro pelo Mediterrâneo, mas nada de férias. Svizzero decidiu trabalhar como barman no navio. Queria aprimorar o inglês, conhecer o mundo e é claro, ganhar algum dinheiro. Trabalhava num regime pesado de tarefas que chegava a uma carga horária de quase 18 horas por dia. Foi lá, nos últimos dias do cruzeiro que conheceu aquela que seria sua namorada, Verity. Ela era dançarina no mesmo cruzeiro, mas no final da viagem os dois inevitavelmente se separariam, já que ela teria de voltar à terra natal, a Inglaterra e ele ao Brasil. Eles chegaram a morar juntos aqui, mas Verity teve de retornar à Inglaterra.

Svizzero afirma que o desejo pela dupla cidadania é anterior à relação dele com a namorada. "Independentemente da minha relação com a Verity, já pensava em obter a dupla cidadania. Sempre pensei que ia ser uma facilidade para mim. Para qualquer lugar que você vai, a polícia te enxerga com outros olhos (quando a origem é um país em desenvolvimento). Infelizmente o mundo é assim, existe preconceito", afirma Svizzero. Ele conta a recente experiência que teve no posto de imigração em Londres, quando passou mais de vários minutos entre apresentação de documentos e explicações sobre o que pretendia naquele país, num processo que normalmente não demora tanto. "Parece que você é um criminoso, os caras perguntam tudo, normalmente esse processo demora um minuto. Mostrei passaporte, extrato de cartão de crédito, contrato social de uma empresa que tenho, falei sobre minha formação em Direito e me exigiram o diploma que por sorte havia levado. Quiseram saber onde ia ficar, quanto dinheiro levava e o que ia fazer", lembra ele. Hoje, Svizzero mora com a namorada em um apartamento em Milão e aguarda o desfecho de seu pedido, o que ele prevê que deva acontecer em dois meses. Ele ainda não definiu com absoluta certeza o que fará depois de conseguir a cidadania italiana, mas cogita atuar na área de Direito no Velho Continente.

Quando conseguir o passaporte italiano, Svizzero não terá apenas prerrogativas asseguradas na Itália. O assessor de relações internacionais da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Antonio Carlos Gondim, que também é vice-presidente do FAUBAI (Fórum das Assessorias de Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais), destaca que a criação dos blocos regionais, como o caso da União Européia, trouxe um atrativo a mais para os candidatos à dupla cidadania em países que compõe o bloco. Isso porque, qualquer cidadão de um dos 27 países membros da União Européia é considerado cidadão europeu. Ele dá um exemplo em cima da situação em que um brasileiro obtenha a cidadania italiana. "Além dos privilégios no Brasil e na Itália, essa pessoa terá passe livre em todo o bloco. Da mesma forma que um europeu que consiga cidadania brasileira, poderá usufruir dos privilégios que qualquer brasileiro tem no âmbito do Mercosul, como por exemplo, poder viajar pelos países do bloco com apenas o porte da carteira de identidade", diz Gondim.

O secretário de relações internacionais da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Paulo Fagundes Visentini, destaca algumas das origens da chamada dupla cidadania. Segundo ele, esse processo começou ainda no século XIX, com a independência das colônias na América em relação às suas respectivas metrópoles européias. Havia grande quantidade de colonizadores nascidos na Europa, mas que viviam na América. Esses foram os primeiros beneficiários da dupla cidadania. Mas ele lembra que a tendência cresceu recentemente. "A partir das décadas de 1970 e 1980, com o envelhecimento da população européia os países passaram a abrir a possibilidade de que os descendentes de imigrantes que vieram para cá pudessem requerer a cidadania desde que comprovassem uma série de coisas", explica ele, que destaca uma característica do Direito Europeu que possibilitou isso. "O Direito europeu é mais baseado no critério sangüíneo. Tem menos importância o aspecto geográfico. Há países que permitem a dupla cidadania para atrair (pessoas mais jovens)", declarou Visentini.

Mas o secretário de relações internacionais da UFRGS alerta que as pessoas devem ter cuidado ao lançar mão desta estratégia. Ele afirma que muitos não conhecem o país que pretendem adotar como segunda pátria e que isso pode gerar problemas. "A dupla cidadania é usada por muitas pessoas de classe média como uma espécie de solução individual para seus problemas aqui. As pessoas acham que a vida nesses países é mais fácil. Muitos chegam a esses países e descobrem que a coisa não é bem assim. Existe um processo de adaptação e elas terão obrigações a cumprir. Há o problema em relação ao futuro também, sobre como fica a situação deles em relação à seguridade social", alerta Visentini.

Carla Girello, uma das proprietárias da agência "Dupla Cidadania", especializada em processos desse tipo junto às autoridades italianas, também destaca os inúmeros pedidos de passaporte já causa incomodo aos países da Europa. "Isso acarreta muitos problemas para esses países, em várias áreas, como nos sistemas de educação e saúde", declara ela. Carla revela aquilo que Gondim abordou com a questão dos blocos econômicos. "Muitas pessoas que têm direito à cidadania italiana não ficam na Itália. Tão logo conseguem a documentação, migram para outros países, como Espanha, Inglaterra e Portugal", afirma ela. A agência de Carla funciona há 12 anos e atende uma média de 30 clientes por mês, o que inclui jogadores de futebol famosos que fecham contrato com clubes europeus e vão em busca da cidadania local para evitar as restrições da UEFA (União das Associações Européias de Futebol), entidade que administra o futebol na Europa. A UEFA determina uma cota máxima de jogadores estrangeiros por clube, para evitar a formação de verdadeiras seleções mundiais pelos poderosos clubes do continente, algo que descaracteriza a origem nacional dos clubes. Carla já foi procurada por atletas como Diego Lugano, Juliano Beletti (que jogaram no São Paulo), Tadei (ex-jogador do Palmeiras) e Bruno Octávio (ex-jogador do Corinthians), entre outros.

Entre as facilidades que a dupla cidadania com países desenvolvidos oferece, Carla destaca desde a possibilidade de trânsito mais flexível entre fronteiras até o direito a voto. Há ainda direito a participação em concursos públicos, abertura de empresas e contas bancárias e melhores relações com universidades. "Na Europa, as universidades têm preços menores para cursos de graduação e pós-graduação para os chamados comunitários (cidadãos europeus). São valores diferentes daqueles cobrados dos imigrantes", revela ela. Mas no sentido das relações com as universidades, fora a questão financeira, Gondim faz questão de ressaltar que as instituições de ensino superior estrangeiras não têm distinção entre os candidatos a bolsas. "Nesse caso, vale o mérito acadêmico", garante ele.

O público que busca os serviços de Carla é o mais variado, além dos atletas, pessoas que já moram fora e querem permanecer por lá, funcionários de multinacionais que são destacados para trabalhar em filiais no estrangeiro e aqueles que buscam uma oportunidade fora do Brasil. "As pessoas se decepcionam com a situação no país e saem. Tem muita ilusão também, acha que vai sair daqui para ganhar em "euro", mas não pode esquecer que vai gastar em Euro também", diz Carla. Ela também alerta para os custos desse processo, entre taxas cobradas pelos países e os valores cobrados pela sua agência, o custo de um dupla cidadania não sai por menos de 8 mil Euros e demora cerca de seis meses para ser concluído. Mas se o interessado quiser tocar o processo pessoalmente, terá de ter muita paciência, segundo Carla as filas de espera para a tramitação dos pedidos de reconhecimento de cidadania podem chegar a 15 anos. A agilidade que a empresa dela fornece se dá em função de sua atuação na Itália, já que ela mantém um escritório completo naquele país.

Publicado em 31/01/2008 - 13:00, no site da Universia.

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